28/06/10

Fadas

Olho, já com saudades, para as poucas flores dos jacarandás que ainda perduram. Este ano eles estiveram especialmente vistosos e espectaculares com flores fartas e que duraram firmemente algumas semanas. Já escrevi isto algumas vezes (paciência) mas a época em que Lisboa é mais bonita é a época dos jacarandás em flor e parece-me que quem não nasceu e cresceu na cidade os aprecia ainda mais. Há ruas que, ladeadas de um lado e de outro pelos jacarandás floridos, ficam realmente mágicas (se este contra-senso me é permitido), nesse turbilhão roxo, e me levam tão próximo quanto possível do mundo das fadas. Eu que nunca me interessei muito por elas, descubro-lhes finalmente utilidade.

23/06/10

Depois dos exageros (digo eu) após a morte de José Saramago, Eduardo Pitta fala-nos com espanto sobre o silêncio e indiferença perante a morte de António Manuel Couto Viana. Isto só mostra a massa de que é feita o país: mais de eventos do que de alma. Não há nem direita nem esquerda que escape a este fado.

Ontem liguei a televisão na SICN para ouvir a entrevista a Manuel Alegre. De repente apercebi-me que em vez de Manuel Alegre e da sua entrevista, a televisão estava na RTPN e eu ouvia Domingos Paciência. Este último, pelo menos, parecia falar com entusiasmo genuíno.

22/06/10

Là-bas, Je Ne Sais Pas Où... 8

Anonimous, Italian, 18th Century
Archways

21/06/10

La Chartreuse de Parme 3

Continua o Comte Mosca della Rovere:

Je dirais plus: ici il faut être sincère, ma gaieté ne laisse-t-elle pas entrevoir, comme chose toute proche, le pouvoir absolu... et la méchanceté? Est-ce que quelquefois je ne me dis pas à moi-même, surtout quando on m’irrite: Je puis ce que je veux? Et même j’ajoute une sottise: je dois être plus heureux qu’un autre, puisque je possède ce que les autres n’ont pas: le pouvoir souverain dans les trois quarts des choses... Eh bien! Soyons juste; l’habitude de cette pensée doit gâter mon sourire... doit me donner una ir d’égoïsme... content...Et, comme son sourire à lui (Fabrice) est charmant! Il respire le bonheur facile de la premiere jeunesse, et il le fait naître.

(...) En croyant raisonner je ne raisonne pas; je me retourne seulement pour chercher une position moins cruelle (...) Puisque je suis aveuglé par l’excessive douleur, suivons cette règle, approuvée de tous les gens sages, qu’on appelle prudence.

Neste excerto intenso e perturbantemente lúcido o Comte Mosca apercebe-se de que o poder (je puis ce que je veux) que lhe vem da presença na corte (onde se fazem fort villaines choses) e da sua grande influência junto do monarca, o deveriam fazer “heureux”, mas não. Afinal o poder mancha-lhe o sorriso e a sua alegria é tingida pela maldade, até pela dor excessiva, ou a ironia, sinais de uma inocência há muito perdida. Sobra-lhe um conforto: os homens que, apesar da cegueira do sofrimento, da dor e da desilusão, conseguem aprender a ser sábios, substituem a inocência perdida com o cultivo da prudência.

Stendhal, La Chartreuse de Parme

20/06/10

Crónica Feminina 4


Deixem-nos em Paz

Pior do que a vaidade emproada que Saramago ostentava, só mesmo o deslumbre provinciano que quem, de cada vez que ele perorava sobre o mundo em geral ou sobre si em particular, lhe colocava um microfone à frente. Ou as horas a fio nas televisões (numa inclemente guerra com o rival futebol deixando pouco espaço para a realidade no país e no mundo), as capas dos jornais de ontem, hoje e quem sabe amanhã, o unanimismo, o luto nacional decretado, o Nobel lembrado num constante exercício requentado de memória, as faixas pretas autorizadas pela FIFA nos jogadores portugueses (que certamente conhecem e apreciam a obra do autor) no jogo de amanhã, o pseudo-escândalo por Cavaco Silva não ir ao funeral, ou até, ouso, a discutível decisão, que no entanto ninguém põe em causa, de disponibilizar um avião da Força Aérea para trazer corpo do escritor para Portugal. Um ambiente a cheirar o patético, o ridículo, o pequenino. Que fiquem os livros - ia dizer para quem os quiser ler, mas nem isso hoje se pode dizer da obra de Saramago, pois no secundário ele tem sido há anos leitura politicamente correcta e obrigatória (outro assunto que mereceria ser discutido) - mas deixem-nos em paz.

18/06/10

Velas 22

Há uns dias


Nunca gostei do homem e isso sempre me impediu (preconceito, sei bem) de ler a sua obra. Talvez agora, mais livre e com tempo, eu possa aprender a gostar do escritor. E claro, que descanse em paz.


Na sua declaração de voto na Comissão Parlamentar de Inquérito ao negócio PT/TVI José Pacheco Pereira mostrou, que num país pestífero e pantanoso, onde a verdade é apenas um conceito abstracto e que a responsabilidade política, seja de quem for, não é valorizada, se pode ainda encontrar lucidez, independência, voluntarismo e inteligência. God bless.

14/06/10

La Chartreuse de Parme 2

Pensa o Comte Mosca della Rovere:

Il (Fabrice) a surtout cet air naïf et tendre et cet oeil souriant qui promettent tant de bonheur! Et ces yeux-là la duchesse ne doit pas être accoutumée à les trouver à notre cour!... Ils sont remplacés par le regard morne ou sardonique. Moi-même, poursuivi par les affaires, ne régnant que par mon influence sur un homme qui voudrait me tourner en ridicule, quels regards dois-je avoir souvent? Ah! Quelques soins que je prenne, c’est surtout mon regard qui doit être vieux en moi! Ma gaieté n’est-elle pas toujours voisine de l’ironie?...

Stendhal, La Chartreuse de Parme

O prazer de ler romances como este. O prazer de voltar a ler francês – há muito que não o fazia – mas um francês elegante e bonito, cheio de “passé simple” e conjuntivos difíceis de conjugar, daqueles que já ninguém ousa usar e que hoje não se ouvem nunca.

Voltando ao romance. A juventude versus a maturidade, a corte e o poder versus as relações sinceras e informais entre os seres humanos, e o amor que na obra funciona quase como uma subcategoria da juventude (versus maturidade) são uma constante do romance de mais de seiscentas páginas. Poderia tentar ser ainda mais sintética dizendo que a inocência é a grande personagem do romance, é ela ou a sua ausência que constantemente vemos através das inúmeras personagens e circunstâncias por elas criadas. O espanto, grande companheiro da inocência, tem também uma função retórica, porque através dele é tecida ardilosamente a cumplicidade com o leitor.

(continua)

Dando Excessivamente Sobre o Mar 53

Paul Cézanne
The Bay of Marseilles, Seen from l'Estaque

10/06/10

Personagem da semana (so far), saída de uma comédia de costumes que seguimos com interesse: o ladrão (quem furta é ladrão, certo? ou será que deveria dizer "furtador" do mesmo modo que se diz "inverdade"?) de gravadores que ainda se mantém deputado com a conivência dos seus pares, mostrando bem de que massa (política e ética) é feita a sua agremiação. A seguir os próximos capítulos.

Frases (longa) da semana (so far): “Uma escola descentrada da sala de aula”. Como se não bastasse toda a doutrina implícita nestas breves oito palavras, a frase explica-se em crescendo “em que os alunos se espalham por espaços informais, com os seus portáteis, cruzando-se com os professores na biblioteca”, acabando neste climax intelectual que promete novos mundos e novas visões: “e discutindo projectos”. E nós tão sossegados e desatentos sem nos darmos conta destes sonhos e destas visões geniais. Discutindo projectos, quem diria, hein?


Os blogues Bomba Inteligente, Corta-Fitas, Delito de Opinião e Espumadamente (a)notaram as mudanças dos tempos e das vontades. Obrigada.


Aqui no 31 da Armada houve quem notasse que hoje se é jovem "forever", algo que parece estar de acordo com os tempos: uma sociedade infantilizada com jovens para sempre. De jovens passamos a séniors (os novos jovens, dizem), e assim acaba-se de vez com essa coisa chata e sem graça que é a meia-idade e, claro, com os adultos. Já faltou mais.

06/06/10

Coisas que se podem Fazer ao Domingo 52

Anders Leonard Zorn (18601920)
Nude Girl in Doorway

Ver se está aí alguém

Inoubliable

Ando há algumas semanas “ausente”. Nada pré-pensado nem tão pouco decidido, provavelmente uma necessidade – não leio no jornal nada mais do que os títulos (e as primeira páginas do Público com as fotografias em “modo” estético-intelectual que irritam), não ouço notícias, não vejo telejornais, cansei comentários, entrevistas e debates. Não me apetece, não sinto falta, e tenho vivido estes dias em alegre (!) jejum informativo, sabendo, no entanto que, como tudo na vida, o dito jejum não durará muito. Como não fui para o deserto o black-out não é total, e ainda hoje, ao lembrar o que tinha sido a semana, me ri, com algum distanciamento que me deixou surpresa, do ruído informativo que “de longe” me foi chegando. Dois momentos de José Sócrates. O primeiro uma teia (sempre) de peripécias à volta do seu encontro com Chico Buarque – mais um daqueles episódios de histórias mal ou insuficientemente contadas, e de inverdades, ditos e contraditos bem ao estilo socrático. O segundo foi em Marrocos - o seu breve discurso dito em francês, que tive o prazer (que roçou o desconforto, se é que tal dissonância é possível) de ouvir duas ou três vezes. Inoubliable.

03/06/10

Io Sono L'Amore


Depois de umas semanas sem cinema, regressei com Io Sono L’Amore de Luca Guadagnino e com uma inolvidável Tilda Swinton. Uma elegante perdição estético-formal de retratos de classes altas italianas que nos lembra imediatamente Visconti ou Antonioni, e que deleita os sentidos. Um crescendo operático em que vários mal-estares e desajustes escondidos se vão revelando e a necessidade de quebrar peias se vai concretizando. Nostalgia quanto baste e a dose certa de decadência. Um deleite.


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